A volta de Hitler

Texto interessante sobre um filme que sairá sobre os ultimos dias da vida de Hitler:
Segue na integra, o link para o original esta no final do post
Isto nos faz pensar...
A volta de Hitler
Site oficial do filme "A queda!": http://www.downfallthefilm.com/
Os 60 anos do fim da II Guerra e o lançamento de um filme sobre os últimos dias de Adolf Hitler têm trazido esta ominosa figura de volta à imprensa. Diz-se muita besteira sobre Hitler por aí, e o pior é que são besteiras bem-intencionadas. Criticaram o tal filme porque ele “humanizava” Hitler, mostrava Hitler “como uma pessoa normal”, com momentos de bom-humor, de gentileza para com os outros, etc. Esses críticos devem achar que para evitar que o Nazismo volte basta demonizar a figura de Hitler, dizer que ele comia criancinhas (como se dizia dos comunistas), que era coprófago, não escovava os dentes e tinha doenças venéreas. Ou seja: deve-se emporcalhar o máximo possível a imagem do cara, para que ninguém no futuro queira se parecer com ele.

As obras de Hitler são liberadas no Brasil? Duvido. Proíbem, por medo de contaminação. E olhe que o Brasil é uma democracia onde todos têm o livre direito à informação e a expressar suas opiniões – se bem que basta ser Deputado, como Ronaldo Caiado, para obrigar a Justiça a proibir um livro onde ele é acusado de querer esterilizar as mulheres nordestinas. (O interessante é que o Governo, por um lado, proíbe os livros de Hitler, mas dá asas aos seus seguidores, permitindo que indivíduos como o nobre Deputado que advoga essa “Solução Final” tenham um cargo eletivo e façam tais propostas)

Todo mundo tem suas curiosidades. Eu li “Mein Kampf” aos 19 anos, mesma idade com que li o “Manifesto Comunista”, bem como os “Protocolos dos Sábios de Sião”. Era o tempo da ditadura militar, mas todos estes livros estavam disponíveis na Biblioteca Pública de Belo Horizonte. Se a simples exposição a eles fosse garantia de contaminação eu estaria ferrado, mas não era. Li todos, lembro de muito pouca coisa, e dos três confesso que somente o de Marx parecia fazer um pouco de sentido, porque se fundava em raciocínios, não em preconceitos. De lá para cá, li dezenas de livros sobre Política: socialismo, comunismo, nazismo, fascismo, anarquismo. E de tudo só me sobrou uma conclusão: “A Direita nunca me enganou. A Esquerda, já”.

Não reivindico a reedição dos livros de Hitler; tenho mais o que fazer. Mas demonizar uma figura histórica sempre dá problemas lá na frente. Dá a Hitler um valor que nem na Guerra ele teve. Quando Hitler apareceu, ganhou simpatizantes pelo mundo porque o Império Britânico era a Grande Potência, como os EUA de hoje. Ninguém agüentava mais tanto poderio e tanta arrogância. Surge um maluco na Alemanha batendo de frente com o Império, aí muita gente aplaude, como aplaudem hoje Bin Laden por enfrentar os americanos: “Esse é o Cara!” E o cara acaba se transformando numa espécie de Antonio-Conselheiro Bizarro, pelo simples fato de estar enfrentando o Governo dos Governos. Batendo de frente com os EUA, Bin Laden (como Hitler) induz todo mundo a pensar falsamente que se trata de uma briga de Davi contra Golias – e a torcer pelo falso Davi.
Hitler e o Barba Azul

Ainda sobre a questão de Adolf Hitler: liberar demais pode ser um risco, mas proibir também não resolve. Vocês já leram a história do Barba Azul? O sujeito casa com uma mocinha e leva-a para morar no seu palácio. No primeiro dia, percorre o palácio com ela, mostrando tudo: jardins, salões, centenas de quartos. A certa altura ele se detém e mostra um quarto trancado. “Você pode entrar em todos os quartos, menos neste”, diz ele; “nunca chegue perto desta porta, em hipótese alguma!”. Dias depois ele faz uma viagem, e adivinhem qual é a primeira coisa que a mocinha acaba fazendo?...

Ninguém é “Hitler”, ninguém é “Gandhi”. Satanizar ou endeusar pessoas não é a melhor maneira de ensinar História aos nossos filhos. De nada adianta parar com eles diante de um quarto do palácio que tem uma suástica pintada na porta e dizer: “Você está proibido de ver o que tem aqui dentro!” É tiro e queda, meu amigo. Da próxima vez que você sair de casa para ver o filme de Michael Moore, seu garoto vai mergulhar na oratória do pintor-de-paredes.

Existem muitos jovens por aí que recusam, por convicções morais (não por “atitude roqueira”) toda a bandalheira que rola solta no País e no mundo. Jovens que vêem toda noite o Jornal Nacional denunciando mais uma falcatrua dos figurões da República, ou mais uma brutalidade dos imperialismos armados. Para esses jovens, “O Governo” é fonte de corrupção, militarismo, arbitrariedades, torturas, violência, injustiça social. Passei uns vinte anos da minha vida pensando isso dos Governos, e ainda hoje prefiro tratá-los a uma respeitosa distância. Algo neles é contagioso.

Vocês já leram entrevistas de rapazes neo-nazistas da Alemanha, dos EUA, do Brasil? Muitos são nazistas por pura maldade: “Queremos queimar judeus, queremos matar africanos, são todos sub-gente”. Esses aí são psicopatas mesmo. Mas muitos explicam: “O cara era foda... Ele sozinho enfrentou o mundo inteiro... A Alemanha estava lá embaixo, e ele levantou o país... Agora os poderosos fazem campanha contra ele, inventaram essa história de Holocausto... Ele queria era derrubar o capitalismo americano...” E assim por diante. Ou seja: criou-se uma unanimidade tão manipulada e tão obrigatória contra Hitler que um jovem desconfiado começa a achar essa história meio estranha.

Hitler era um excêntrico, um cara de grande carisma pessoal, capaz de arrebatar outras pessoas (ministros, generais, políticos) numa espécie de delírio coletivo na base do “É claro que vai dar certo!” que não é muito distante de alguns delírios menos malignos que tivemos aqui no Brasil, e basta dar como exemplos Jânio Quadros e Fernando Collor. Hoje, vocês (dirijo-me aos caros leitores que porventura tenham votado neles) sabem quem eram. Mas na hora, parecia que finalmente o Salvador da Pátria tinha aparecido, um homem de juízo, um homem honrado. E ainda vai acontecer de novo, quanto quer de aposta?Braulio Tavares é escritor e compositor, e este artigo foi publicado em sua coluna diária sobre Cultura no "Jornal da Paraíba" (http://jornaldaparaiba.globo.com/).
Link para o texto original: Literatura e Arte

Ouvindo: Hey Jude - Beatles