[ Se o barato sai caro, imagina o de graça... ]

Está no ar mais um post da parceria entre o Chamberlaws e o Viciado Carioca. Este texto foi publicado em seu antigo blog na data de 08/09/2005. Boa leitura!

Se o barato sai caro, imagina o de graça...

Terça-feira me meti em uma das maiores furadas do universo. Estava em casa muito bem cuidando da minha vidinha insossa, insípida e fedida quando aparece um amigo meu.

- E aí, viciado? Qual é a boa?

- De bobeira. – respondi pensando que algum anjo salvaria o meu feriado.

- Arrumei duas entradas para um showzinho que vai rolar aqui no Canecão, bora? – esse era o momento certo para inventar uma desculpa e bater a porta na cara dele. Preferi uma tática mais educada.

- Show de quem?

- Perdidos na Selva. É uma banda que só toca música dos anos 80. Geral fala que é maneiro.

- Saí fora, cara. Isso dá azar. – Meu sinal de alerta estava a mil. Primeiro de tudo, estava de cara. Segundo, o convite foi feito por um amigo chamado João Mariano. Ninguém em sua sã consciência pode aceitar qualquer programa a convite de alguém chamado João Mariano e esperar algo de bom nisso. Terceiro, não dá para levar fé em um banda chamada Perdidos na Selva! E, por último, acreditem: quem lembra dos anos oitenta, aqueles que lembram de verdade como eu lembro, não podem sentir saudades daquela época.


Mas como dizem por aí, todo homem tem seu preço. O Canecão é muito pertinho aqui de casa, JM me subornou dizendo que pagava as cervejas na entrada e, afinal, era de graça.

- De graça, cara! Não vai te custar um tostão. - se a humanidade soubesse o número de merdas que acontecem em uma noite que começa com essa frase, o mundo seria um lugar melhor.

Em uma hora estava eu e João Mariano na frente do Canecão. Cerveja estava boa, o papo nem tanto. Ele contava a sua rotina do trabalho e eu tentava encontrar alguém normal no meio de um monte de carecas-barrigudos e mulheres ancudas vestidos de adolescentes.

- Vamos entrar. – disse ele. E nesse momento eu juro que um frio passou pela minha espinha e minhas pernas falharam por um segundo.

Lugarzinho careta esse Canecão. Nunca gostei de show lá. Por um lado, tenta tirar onda de organizadinho e trampolim de artistas do povão. Por outro lado, cobram os olhos da cara as bebidas (Cinco pratas numa cerveja??? Até um puteiro cobra mais barato!) e todo funcionário te olha como se fosse um incômodo você está lá. É um olhar do tipo:

- Porra, porque você veio? Se ninguém tivesse aparecido, o show poderia ser cancelado e eu podia ir para casa assitir Superpop. Porra, vai embora aí!

Tá bom, tá bom. Eu não vou pagar cincão em uma cerveja. Vamos ver essa porra de show anos oitenta de bico seco. João Mariano tentava me convencer que a mulher da nossa frente tinha uma bunda bonita e eu tentava explicar para ele o efeito que uma dessas calças jeans tem em um bolo de celulite. As luzes se apagam, a banda entra, um monte de gente grita e eu penso: estou fudido.

Tenho que admitir, os caras se esforçam. Colocaram um tecladista com um cabelo tão escroto que eu posso jurar de pé juntos que alguém foi lá em 1984 buscar o maluco. O vocalista pulava de um lado para outro como aquela bicha sem braço da piada que tenta coçar o cu. O guitarrista tinha cara de gente boa, mas está condenado só por andar com os sujeitos citados. Fora umas duas pseudo-gostosas que estavam no palco, aquele show só servia para credenciar a minha dependência de drogas.

Na terceira música eu já estava de saco cheio. Estava com pena da banda cantando músicas que não eram suas e pulando de um lado para outro no intuito de nos fazer esquecer como era uma merda os anos oitenta. Pedi pela terceira vez para o cara para vender a cerveja por duas pratas e ele pela terceira vez segurou a língua para não me mandar tomar no cu. Foda-se, eu pensei. Como em qualquer show de rock a qualquer momento alguém vai acender um baseado.

Mais duas músicas e nem uma ervinha. Porra, será que mulheres de ancas gigantes não fumam maconha? Que merda é essa? Me sentia em uma festinha de Eduardo e Mônica, mas sem a turminha maneira da Mônica. Só um monte de coroa que jogaram futebol de botão com os avós até os 21 anos.

- Tá foda, Mariano. Vamos em bora.

- Calma aií Viciado. Dá um tempo ao tempo.

Puta que pariu! Por que eu não fiquei em casa assistindo Superpop? Que dia era? Terça-feira? Porra, Terça Feira rola desafio dos artistas no Gilberto Barros! E eu aqui escutando esses porras tocando..o que eles estão tocando? Eva??? Isso mesmo, o vocalista – que tinha acabado de cantar "Não se reprima" da forma mais aviadada possível – agora estava cantando aquela música da Ivete Sangallo. Porra, cadê meu Almanaque Anos 80? Essa porra não é dos anos 90??

Ah, desisti. Fiquei de costas para o palco e comecei a procurar no lugar alguma mulher gostosa. Quem sabe o destino não queria isso? Eu me encontrar com uma gostosa em um show merda dos anos 80? Aquilo ali parecia o fim do mundo. Eu poderia chegar para a gostosa entediada pelo show e falar:

- É o final da odisséia terrestre. Vamos lá para fora que eu serei seu Adão e você a minha...

Fudeu, eu já não conseguia usar meu cérebro direito. Eu tinha que ir embora. Mas então o vocalista anuncia que vai chamar um convidado especial. Aquilo poderia ficar interessante. Podia aparecer um monte de gostosas vestida de paquitas. Eu sempre quis comer uma paquita. Quem nunca quis comer uma paquita? Até a Marlene comia as paquitas!

- E agora com vocês......ROSANA!

Alguém tem um ácido? Uma bala? Estou aceitando até chá de fita cassete. Um tiro. Pode ser de revolver. Por favor, me matem. Me matem agora!

Ninguém fez esse favor e eu tive que ver Rosana, que assim como as fãs dos anos 80 também estava com uma bunda de mamute, desafinada e puta dentro da roupa de cantar "O amor e o poder".

Daí que eu saquei qual é dessas festas anos oitenta. É um culto ao escroto. Exatamente isso. Se eu tirar uma foto do meu saco, ampliar em tamanho gigante, colocar em um palco e um som de fundo do Léo Jaime, o pessoal vai adorar. Ninguém ali nunca gostou daquela música. Ninguém ali nunca gostou da Rosana. Mas estavam ali para lembrar como ela era ridícula. E o pior, ela sabe disso. Senti pena da Rosana. Eu nunca pensei que ia viver tanto ao ponto de sentir pena da Rosana. Ai que merda... os bichos escrotos sairam dos esgotos e vieram empestear o meu lar, meu jantar, meu nobre paladar!

Rosana quase subiu no meu conceito quando ela começou a mandar um Janis Joplin. Mas desceu mais um cem quando mostrou que não sabe a letra da música mais ridícula da Janis Joplim. Fala sério! Até o avô do João Mariano sabe a letra de Mercedes Benz. Ele deve assobiar essa porra quando joga futebol de botão com o neto.

Tá bom, eu estava perguntando para Deus por que ele não me comprava um Mercedes Benz para eu atropelar aquele povo todo quando a Rosana foi embora e voltou o viadinho saltitante. Cantou mais uma merdas e eu tentei mais uma vez convencer o João Mariano de ir embora, quando de uma hora para outra o povo todo se ajoelha no palco.

- Fudeu, Vão começar a orar. – Eu falei alto e uns dois ou três me encararam como se eu tivesse estragando o show. Então, adentra a nossa festinha bizarra Eduardo Dusek. Ele entrou e eu fui para o banheiro. Infelizmente o som vazava e eu conseguia escutar o Dusek falando merda no microfone. Dei um tempo no banheiro. Afinal, os anos oitenta ficaram marcados como a década do pó. Alguém tinha que aparecer para dá um tapa e eu podia pegar uma rebarba.

Esperei uns dez minutos e nada. Puta que pariu! Sem álcool, sem maconha, sem pó, escutando e vendo tudo de pior dos anos oitenta. O inferno é aqui.

Voltando do banheiro escuto um casal conversando.

- Sacanagem! O Supla furou. Seria legal se ele aparecesse.

Como é que é? O Supla, o único cara que ainda se veste como se estivesse nos anos oitenta, a versão Bento Carneiro do Billy Idol, furou esse show. Porra, se o Supla, o cara que morou dois meses com Alexandre Frota, achava aquilo ridículo, o que eu estava fazendo ali?

- Bora agora?

- Calma aí. Ele chamou mais um convidado!

- Quem, a Tête Espindola?

- Não o Tony Platão.

Foda. Achava maneiro o Tony Platão. Sempre assistia ele nos Trapalhões. A coisa poderia melhorar. Será que o Sargento Pincel também ia aparecer? Então me entra um branquelo marrento, todo mundo vaiou. Eu também vaiei e gritei:

- Que merda essa? O Tony Platão não é aquele negão? – e alguém vira e fala:

- Seu idiota, aquele é Tony Tornado!

- E quem é esse bosta?

- É o cara do Rockbola!

- Ah tá. E por que vocês estavam vaiando?

- Por que ele é tricolor.

Não falei mais nada. Sem Tony Tornado, sem Sargento Pincel ou Dedé Santana. O branquelo cantou uma música do Legião Urbana e saiu fora. Levou mais tempo arrumando uma vaga para estacionar o carro do que cantando. Sem comentários.

Depois daquilo me dei por vencido. Parei de chamar o JM para ir embora ou de ficar avaliando aquele show interminável. Parecia até a abertura do Show de Calouros. A cada minuto entrava alguém mais bizarro. Entrava a Flor dizendo que era virgem e você pensava que não tinha ninguém mais tosco, daí a platéia recomeçava:

- Wa-g-ner Mon-tes lá lá lá lá lá lá lá lá lá lá lá lá lá lá lá lá lá....E entrava aquela figura puxando uma perna.

Me abstrai. Eu, que nunca fui muito religioso, sentei no chão e comecei a pedir a Deus que poupasse todas as vidas de Nova Orleans e mandasse um raio naquele lugar. Eu morreria feliz sabendo que toda aquela cerveja não seria vendida a cinco reais, sabendo que a Rosana teria cantando pela última vez "Como uma Deusa", e que todos os anos oitenta morreriam para sempre soterrado nos escombros do Canecão.

Deus não ouviu as minhas preces, mas o JM sim. Acho que ele pensou que eu estava passando mal ou coisa parecida quando me viu sentado no chão de olhos fechados. Achou que eu estava indo a caminho do criador e eu só estava trocando uma idéia com ele. Que se foda.

Fomos embora. Mariano ainda queria passar no Empório e eu disse que não. Ele deu tchau e eu mandei ele tomar no cu. Eu era o cara mais malvado desse lado do Universo. Fui andando sozinho, na chuva pelas ruas de Botafogo. Antes de chegar em casa dei uma subidinha na favela. Alguma coisa de boa tinha que acontecer naquela noite. Deu pra quatro papéis. Foda-se abstinência. E a vida continuou até as 4 da manhã.